sábado, 5 de junho de 2010

"O Cruzeiro" - Edição de 16 de Janeiro de 1960







O jornalista David Nasser foi trabalhar, em 1943, na revista "O Cruzeiro" que se tornava, então, a revista brasileira mais popular dos anos 1940 e 1950. As reportagens que fez em parceria com o fotógrafo Jean Manzon de 1943 a 1951 foram fundamentais para o sucesso de vendas da revista cuja tiragem atingiu níveis inesperados para a época. David Nasser e Jean Manzon tornaram-se então a mais famosa dupla de repórter-fotógrafo do Brasil.
Na edição de 16 de janeiro de 1960, da revista "O Cruzeiro", publicou um de seus mais emblemáticos artigos, desta feita, sobre o seu amigo, político, senador da República pelo Estado do Paraná, Abilon de Souza Naves, sob o título "Uma boneca para Beatriz".


O Cruzeiro - 16 de janeiro de 1960.

Uma boneca para Beatriz


O meu caderno de notas, encontro uma referência ao último Natal: uma boneca para Beatriz. Beatriz é uma menina de oito anos, filha de um velho amigo meu, morto êste ano. Chamava-se, o pai de Beatriz, Abilon de Souza Naves e era político, mas sobretudo homem de bem. Lidava com bilhões e morreu pobre. Conseguiu, o pai de Beatriz, manter-se incólume, apesar do tempo que estêve na presidência do IPASE e em outros cargos importantes, onde o dinheiro corria igual a um rio, sempre para o mar. Naquele instituto de previdência, Souza Naves resgatou débitos que se elevavam a mais de um bilhão de cruzeiros. Numa das carteiras mais difíceis e cobiçadas do Banco do Brasil, a que lida com a agricultura e a pecuária, passou também intato.



POBRE como nasceu, Souza Naves morreu. Deixou para a família um montepio de oito mil cruzeiros e uma casa no Paraná, comprada a prestações. Muita gente, ao saber, depois de sua morte, que era pobre de verdade, começou a dizer que Souza Naves não devia ser muito certo do juízo. Então, um homem que ocupa no Brasil êsses lugares-chave, morre assim, sem fortuna, tal qual iniciara a vida política há dez ou quinze anos? Houve alguém que me disse não passar essa honestidade, de uma espécie de traição à família. - “Não é preciso roubar para ficar bem. Basta, apenas, trabalhar com a cabeça.”



SOUZA Naves, seu pai, Beatriz, não trabalhou com a cabeça. Quando lhe diziam que era preciso deixar tantas suscetibilidades de lado e, sem ser desonesto, sem trair a consciência, garantir o futuro das meninas, ingressando em alguma emprêsa sólida, uma companhia de seguros, por exemplo, que necessitasse de figuras de prestígio, ou um banco que tivesse precisão de um testa-de-ferro, Souza Naves abanava a cabeça. Não era de seu feitio. Tinha horror aos algarismos. Mas de que a sua prole vai viver, se você lhe faltar, Souza Naves? Êle citava um trecho bíblico, aprendido no sertão ou ao tempo em que era vendedor pracista. “Olhai as aves do céu, que não tece nem fiam. No entanto, Salomão, com tôda a sua riqueza, nunca se vestiu com tanto esplendor.” Falava da Natureza. A Natureza, a seu ver, tomaria conta de tudo. Veja, dizia, os pardais. Os filhotes se alimentam sòzinhos e ninguém vê pardal morto na estrada.



SOUZA Naves tinha um coração doente. Parece que era mal hereditário, o pai e quatro irmãos haviam morrido das coronárias. Não tardaria muito a chegar a sua vez. Ficaria bonito dizer aqui que Souza Naves não temia a morte. Temia, sim. Sua vida era agradável, sua espôsa um encanto de mulher, suas filhas, entre as quais Beatriz, outros encantos. A política o fascinava. Êle era hábil estrategista das massas, embora não fôsse um gênio. Se procurássemos uma qualidade excepcional, não a encontraríamos em Souza Naves, porém, a média de suas qualidades era tão bem dosada, que se tornara um homem excepcional. Suas atitudes não levavam a preocupação da originalidade. No entanto, eram atitudes inteligentes. Ninguém se esquece de como preparou o lançamento de Jânio Quadros pelo Partido Trabalhista. Sabe Deus como deve ter sido magnífico o duelo político daqueles dois homens de inteligências e métodos diversos. Em Souza Naves, o equilíbrio e a rotina. Em Jânio, o inusitado e a aventura. Em Souza Naves, a linha reta. Em Jânio, o vôo sinuoso. Um e outro eram, contudo, duas fôrças mentais apreciáveis. Uma, postada no andar térreo, ao nível da rua, ao rés do chão, em contato com a realidade, amoldada às regras. Outra, nos altos e baixos de uma vida política, tôda ela feita de êxitos fulminantes, era a vitória contra o hábito. Não se sabe como se aproximaram nem como se compreenderam, em que linguagem falavam. Apenas que se fizeram amigos e iam cumprir juntos a próxima etapa, quando a morte colheu um dêles. Precisamente Souza Naves.



DIZEM que Jânio Quadros não tem amigos definitivos, mas interêsses definitivos. Diziam que largaria Souza Naves no meio da estrada, como dizem ter abandonado a uma porção de amigos depois da vitória. Não sei de nenhum caso. De minha parte, nunca acreditei que Jânio fizesse isso, mesmo porque seria politicamente um êrro. A eleição de Souza Naves, ao govêrno do Paraná, seria uma nomeação, uma passeata, um “referendum” popular. Para ter em suas mãos a província do futuro. Jânio precisava do apoio de Souza Naves, enquanto êle, Jânio, estivesse no Govêrno. Souza Naves conhecia a fôrça de que dispunha e preparava despreocupadamente o maior govêrno que, depois de Manoel Ribas, o Paraná iria conhecer. Isso, se o seu baqueado coração tivesse permitido.



TAL não pôde ser. O coração de Souza Naves deu o prego antes do Natal, antes das eleições, antes do passeio. Certa vez, alguém lhe disse que o Barros de Carvalho se submetera, na Alemanha, a uma limpeza dos vasos. Tratava-se de um novo método eficiente, capaz de prolongar a vida dos enfermos do miocárdio. “Ah, se eu pudesse ir lá. Haveriam um jeito?” Espiei bem a face do mineiro padronizado. Um jeito? “Ora, Souza Naves” - disse-lhe - “todo mês vai uma comissão do Senado a alguma parte. Entre numa que vá à Alemanha.” Souza Naves abanou a cabeça. Dêsse jeito, não queria. Não foi. Veio uma crise e morreu. Teria sobrevivido se tivesse feito a viagem? Não entendo de coronárias, mas entre a vida e a morte, é sempre melhor tentar o duvidoso. E êle tinha horror ao duvidoso.



MUITAS vêzes, aquela honestidade me parecia exibição. Vai ver, pensava êste repórter arguto (que não passava, já o vereis, de um grande imbecil) vai ver que depois da morte, o pé-de-meia aparece. Não apareceu pé-de-meia algum. O apartamento de Souza Naves em Copacabana, era alugado. A viúva e as filhas sabem que a pensão do Estado não chega para o aluguel e vão transferir a residência para Curitiba, onde o finado deixou uma casa, agora resgatada pelo seguro de carência.



DURANTE algum tempo, velho Souza Naves, alguém falará em seu nome. Todos se espantarão durante algum tempo com a história do político que tinha horror a negociata. Haverá, mesmo, quem lamente não tenha sido embalsamado e exposto num sarcófago de vidro, o brasileiro que transitou em tantos postos da vida pública - e conseguiu morrer pobre.



PERMITA, minha pequena Beatriz, relatar-lhe um episódio que doutra maneira jamais viria a público. Seu pai, que apesar de trabalhista, era meu amigo, passeava a meu lado, dias antes do outro Natal, pela Rua Sete de Setembro, quando seus olhos caíram sôbre uma boneca na vitrina. Parou alguns minutos. Era uma boneca loura de olhos azuis. Dizia papai, mamãe e andava, segurada pelo braço. Sousa Naves entrou, perguntou o preço e saiu sem comprar a boneca, “A Beatriz gostaria”, comentou, “mais é cara demais”. A eleição havia arrasado com a sua parca economia. De minha parte, nem pensei em comprá-la. Sabia como êle ficaria. Creio mesmo que teria cortado relações com o velho amigo. Imaginava o Souza Naves, num aeroporto qualquer, em Cafeara ou em Maringá, abrindo os braços, nervoso e ríspido, a perguntar-me se eu queria suborná-lo com uma boneca de olhos azuis.



AQUÊLE Natal passou e, antes de o outro chegar, perdemos o Souza Naves num fim de semana no Paraná, aonde ia quatro vêzes por mês. Aquilo que êle esperava, o miocárdio, aconteceu numa reunião política. O povo inteiro o acompanhou, chorando pelas ruas, através de dois quilômetros. Não havia automóvel que chegasse. Os cafeicultores, para cuja reabilitação econômica havia imaginado e obtido uma lei de dilatação do prazo de pagamento da dívida para oito anos, vinham trazer ao amigo morto, o único presente que êle não poderia recusar: frases de adeus, coroas de flôres e muitas lágrimas. - “Me lembro quando êle chegou aqui, vindo de Minas” - dizia um jacu de Sertanápolis. Tinha ganho metade da sorte grande na loteria, antes de 1930. Eram uns quarenta contos, porque a outra metade, o Souza Naves deu ao bilheteiro que lhe vendeu o prêmio. No trabalho em jornal foi vendedor na praça, mas nunca teve jeito para ganhar dinheiro. A política era a sua vocação e nela fêz carreira. Sempre de bôlso vazio. Eram os amigos quem custeavam a sua propaganda, contra a sua vontade. Souza Naves achava que tudo isso era bobagem. “Os eleitores me conhecem: votam ou não votam em mim. Cartazes, berreiro de alto-falante, nada disso adianta, não faz mudar a direção do voto.”



PARECE que tinha razão, concluía o jacu, porque Naves sempre ganhava as eleições. Não só êle, mas todos aquêles que êle apoiava. Veja o caso Iberê de Matos. Veio aqui como visita. Todo mundo viu que era homem direito. Souza Naves o apoiou para a Prefeitura de Curitiba - e agora faz uma excelente administração. - É bom o Iberê, mas, como o Souza Naves, não há.



ACONTECEU, Beatriz, que me lembrei de tudo isto ao ver a anotação da boneca em meu velho caderno de notas. A palavra boneca e logo a seguir, o seu nome, Beatriz. A princípio, não atinei com a história. Boneca? Beatriz? Para quem era a boneca? Quem era Beatriz? Logo a data me avivou a lembrança: 24 de dezembro, véspera de Natal. Lembrei-me daquela caminhada ao lado de seu pai, pela Rua Sete de Setembro, a parada em frente à vitrina, o ligeiro exame da boneca de olhos azuis (você tem olhos azuis, Beatriz?), a consulta ao preço, a saída desanimada. Se eu tivesse contado a alguém que Souza Naves, depois da eleição, à véspera do outro Natal, não possuía dinheiro para comprar um boneca para Beatriz, ninguém acreditaria. Êle mesmo tratou de desfazer a lenda, durante um almôço: - “Para uma boneca, eu tinha. Mas minhas filhas são duas. Não é só Beatriz, não”.



SUPONHO, meu anjo, que você tenha de fato olhos azuis. Do contrário, seu pai não teria parado aquêle minuto em frente à boneca nem dito aquela frase: - “A Beatriz iria gostar”. Mas era um justo em casa, na rua e consigo mesmo. Não podia dar duas bonecas, não deu nenhuma. nem permitiria que alguém o fizesse. “E se você morrer do coração, Souza Naves? Quem vai cuidar de suas filhinhas?” E êle aí me respondeu: “Olhai as aves do céu, que não tecem nem fiam. No entanto, Salomão, com tôda riqueza nunca se vestiu com tanto esplendor”. Parece-me ouvi-lo, na resposta, a falar da Natureza que cuida de tudo, dos pardais, dos filhotes de pardais que sobrevivem ao vento e ao frio - e vejo todo êsse milagre nesta boneca de olhos azuis que lhe estou mandando, Beatriz agora que seu pai não está aqui para me proibir.


Família próxima do Senador Abilon de Souza Naves
Familiares incluindo: - Secundário: familiares primários de familiares primários.



Antepassados de:



Abilon de Souza Naves "Senador Souza Naves"



1a Geração

. Abilon de Souza Naves "Senador Souza Naves" nasceu a 1 Set., 1905 em Uberaba - MG e morreu a 12 Dez., 1959 em Curitiba - PR.

Pai: 2. José Naves Da Cunha "Zéquinha" nasceu a 15 Jan., 1871 em Sacramento - MG e morreu a 16 Maio, 1942.

Mãe: 3. Delminda De Souza Naves morreu a 4 Nov., 1944.



2a Geração (Pais)


2. José Naves Da Cunha "Zéquinha" nasceu a 15 Jan., 1871 em Sacramento - MG e morreu a 16 Maio, 1942. Ele casou com Delminda De Souza Naves.

Pai: 4. João Naves Damasceno nasceu Calculada: 1838 e morreu em 1883 em Sacramento - MG.

Mãe: 5. Maria da Abbadia da Conceição "Maria Abadia Naves" morreu on an unknown date.


3. Delminda De Souza Naves morreu a 4 Nov., 1944.

Outros eventos na vida de Delminda De Souza Naves
Casamento 1 Out 1879 Sacramento - MG (ou Uberaba)



3a Geração (Avôs)

4. João Naves Damasceno nasceu Calculada: 1838 e morreu em 1883 em Sacramento - MG. Ele casou com Maria da Abbadia da Conceição "Maria Abadia Naves", filha de Antonio Pedro da Cunha e Felizarda de Almeida.

Pai: 6. José Francisco Naves 6_ nasceu em 1800 em Lavras - MG e morreu em 1865 em Iraí de Minas - MG.

Mãe: 7. Anna Roza de Jesus (Naves) nasceu Anterior a 13 Out., 1813 e morreu Calculada: 1847.


5. Maria da Abbadia da Conceição "Maria Abadia Naves" morreu on an unknown date.

Pai: 8. Antonio Pedro da Cunha morreu on an unknown date.

Mãe: 9. Felizarda de Almeida morreu on an unknown date.


4ª Geração (Bisavós)

6. José Francisco Naves 6_ nasceu em 1800 em Lavras - MG e morreu em 1865 em Iraí de Minas - MG. Ele casou com Anna Roza de Jesus (Naves) na 1a vez a 17 Maio, 1826 em Bom Sucesso - MG.

Pai: 10. João Naves Damasceno "PATRIARCA" nasceu em Lavras - MG e morreu a 30 Maio, 1831 em Lavras - MG.

Mãe: 11. Anna Vittoria de São Thomé "Anna Victória de São Thomé" nasceu Por volta de 1761 em Nossa Senhora da Conceição dos Prados - MG e morreu a 19 Maio, 1841 em Bom Sucesso - MG.


7. Anna Roza de Jesus (Naves) nasceu Anterior a 13 Out., 1813 e morreu Calculada: 1847.


Pai: 12. Bernardo Machado Neto "Bernardino Machado Neto" nasceu Por volta de 1764 em Prados - MG e morreu em Bom Sucesso - MG.

Mãe: 13. Maria Joaquina da Silva.



8. Antonio Pedro da Cunha morreu on an unknown date. Ele casou com Felizarda de Almeida.



9. Felizarda de Almeida morreu on an unknown date.



5a Geração (Trisavós)

10. João Naves Damasceno "PATRIARCA" nasceu em Lavras - MG e morreu a 30 Maio, 1831 em Lavras - MG. Ele casou com Anna Vittoria de São Thomé "Anna Victória de São Thomé" a 24 Fev., 1786 em Lavras - MG.


Outros eventos na vida de João Naves Damasceno "PATRIARCA"
Funeral Bom Sucesso - MG


11. Anna Vittoria de São Thomé "Anna Victória de São Thomé" nasceu Por volta de 1761 em Nossa Senhora da Conceição dos Prados - MG e morreu a 19 Maio, 1841 em Bom Sucesso - MG.



12. Bernardo Machado Neto "Bernardino Machado Neto" nasceu Por volta de 1764 em Prados - MG e morreu em Bom Sucesso - MG. Ele casou com Maria Joaquina da Silva na 1a vez a 25 Out., 1784 em São João del Rei - MG.



13. Maria Joaquina da Silva.